segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Reportagem da Deutsche Welle - Atlas de Dialetos alemães X e último - Saxônio: a língua de Lutero (Muito bom!)

Saxônio: a língua de Lutero

Bautzen, na Saxônia

O saxônio é um dos dialetos com maior grau de rejeição entre os alemães. Muitos saxônios até se envergonham de seu falar. Isso, apesar de serem os que falavam o alemão mais exemplar. Lutero não traduziu a Bíblia para o alemão e sim para o saxônio.


Lutero traduzindo a Bíblia, gravura de Gustav König
 (1808–1869), 1847
Já na Idade Média, a Saxônia era uma região em ascensão. Pessoas de todos os cantos do território de língua alemã migravam para lá às enxurradas. E cada um trazia consigo um falar próprio. Da confusão babilônica acabou se desenvolvendo uma língua unitária de intercâmbio, o chamado "alemão forense de Meissen" (Meissner Kanzleideutsch). E como as vias de comércio da Europa se cruzavam na Saxônia, o dialeto local era entendido em quase todo o Sacro Império Romano de Nação Germânica.

Prussianos contra saxônios

Lutero não traduziu a Bíblia para um alemão qualquer, mas sim para o saxônio. E assim elevou o dialeto a língua standard. O prussiano também se apropriou do vocabulário e da gramática do saxônio, só que pronunciava as palavras de outro jeito, como o alemão padrão.
Frederico, o Grande, na Batalha de Hohenfriedberg
(4 de junho de 1745):
prussianos vencem saxônios e austríacos
O resto é história. A Prússia derrotou a Saxônia na Guerra dos Sete Anos, em 1763. Com isso, a Saxônia perdeu o papel de modelo cultural. A partir de então, a língua oficial passou a ser o alemão padrão.
E os novos soberanos não estavam nem um pouco interessados em manter o prestígio saxônio da forma que fosse. E foi assim que a Saxônia começou a ser ridicularizada.

Preguiça de falar direito?

Castelo Albrecht, em Meissen
"A língua dessas pessoas ofende meus ouvidos!", escrevia o dramaturgo Franz Grillparzer no século 19, chegando a ponto de comparar o som do saxônio com o coaxar dos sapos. A comparação não é das mais certeiras. Os saxônios não coaxam, apenas deixam as palavras escoarem da boca, num leve murmúrio
Outras más línguas dizem que este dialeto surgiu da preguiça de falar. O saxônio tende a encurtar e abreviar as palavras. Haben wir ("temos") ou sind wir ("somos") viram hammer e simmer.
Além disso, uma regra básica para se falar saxônio direito é não abrir demais a boca. A tende para O – Orbeit em vez de Arbeit ("trabalho") –, e O tende a virar U – Oufen em vez de Ofen ("forno").
Outra coisa é que os saxônios não sabem diferenciar CH de SCH, de modo que é impossível distinguir Kirche ("igreja") de Kirsche ("cereja"). Desoladora é a ortografia nas redações de escolares saxônios. As crianças se admiram de descobrir que Disch ora é escrito Tisch ("mesa"), ora Dich ("te"). Tudo soa do mesmo jeito...

Sonoros vencem surdos

No entanto, a regra básica para falar saxônio é "de Weechn besiechn de Hardn" (literalmente: "os suaves vencem os duros"). Traduzindo: as consoantes sonoras vencem as surdas. P se transforma em B, K em G, T em D. Portanto, se um copo cair no chão, está gabudd (e não kaputt, "quebrado").
A razão disso é que os saxônios abdicaram de qualquer "aspiração". Ao serem pronunciadas, as consoantes P, T ou K sempre são seguidas de um H aspirado. Sem esta aspiração, estes fonemas são impronunciáveis.
Biblioteca Alemã, em Leipzig
Como os saxônios não sabem aspirar, a única saída é pronunciar as consoantes surdas como se fossem sonoras. Estas não precisam de aspiração.
Quem se acostumar com a pronúncia não tem dificuldade de entender o saxônio. Lexical e gramaticalmente, este dialeto é bastante parecido com o alemão standard – ou melhor, foi o alemão padrão que derivou do saxônio...

O lábio faz o monge

A mentalidade dos saxônios é tão peculiar como seu dialeto. Muitos forasteiros e alguns nativos dizem que o saxônio soa primitivo. Esta é uma afirmação, contudo, cuja objetividade dificilmente pode ser atestada pelos pesquisadores de dialetos.
Afinal, gosto não se discute. E além do mais: pode-se falar o que for do saxônio, mas simplório é que ele não é.
Chemnitz, prefeitura antiga e nova
Os saxônios são criativos. Basta ver tudo o que inventaram: a porcelana européia, o filtro de papel para café, os patins in-line... Os saxônios são educados. Para isso há razões históricas.
Habitantes de uma região de alto movimento comercial, onde de situa há muito tempo a maior feira do mundo, a de Leipzig, eles criaram o hábito de tratar os visitantes com cortesia e respeito. E os saxônios também são conhecidos pela esperteza: sabem se virar e aproveitar o momento certo.

Resgatando os tempos áureos

Com estas três qualidades – criatividade, polidez e esperteza –, os saxônios foram longe! Economicamente, a Saxônia é o Estado mais importante no território da antiga Alemanha Oriental, uma remota lembrança dos velhos tempos. No século 19, a região progrediu a ponto de se tornar o espaço econômico mais moderno e inovador da Alemanha.
Um importante motor da industrialização era a indústria têxtil de Chemnitz, a "Manchester saxônia". Até hoje, a estrutura econômica de Chemnitz é marcada pela indústria pesada.
Dresden
"O que se produz em Chemnitz é vendido em Leipzig e o dinheiro é torrado em Dresden", diz um antigo ditado, resumindo a distribuição regional de trabalho... Os resultados da ostentação dos regentes saxônios podem ser apreciados até hoje em Dresden. A cidade abriga um exuberante patrimônio artístico: antigos e novos mestres da pintura, porcelana, esculturas, jóias. Não é para menos que o filósofo alemão Johann Gottfried Herder batizou Dresden de "Florença alemã".




Diana Pessler (sm)

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